segunda-feira, 28 de junho de 2010

Quem tem medo dos professores?


Trata-se de uma conhecida obviedade: que educação de qualidade depende da qualidade do trabalho dos educadores e das condições nas quais ele se realiza. Mas apesar de óbvio, toda vez que se pretende avançar nessa direção, imediatamente surgem reações contrárias. É o que está acontecendo atualmente em torno da inserção do chamado piso salarial nacional do magistério da educação básica pública, instituído pela Lei 11.738 de 2008.

Quatro governadores de Estado ingressaram com uma ação direta de inconstitucionalidade - e conseguiram que o Supremo Tribunal Federal suspendesse partes da Lei, especificamente aquelas que tratam da ampliação das denominadas “horas de atividades”. Assim é que, por enquanto, está sem efeito o dispositivo que assegurava o aumento do tempo destinado à formação continuada e qualificação dos professores, bem como ao planejamento e avaliação coletiva das atividades escolares.
Os governantes alegaram que esse avanço imporia custos com a contratação de mais professores que não poderiam ser suportados pelo poder público. Mais uma vez foram rápidas e eficientes as reações contra os avanços. Registre-se que o piso salarial nacional propriamente dito, uma antiga reivindicação dos educadores, foi preservado pelo STF. Contudo, convém registrar, também, que esse movimento de reação produziu outro efeito: encorajou certos setores a aumentar o tom de seus ataques contra iniciativas que possam ser consideradas uma ingerência indevida na autonomia dos entes federativos.
Uma ADIN contra a afronta à Constituição face ao vergonhoso quadro da educação
Tais setores argumentam que apesar de ser da União a prerrogativa de fixar as diretrizes da educação nacional, os Estados e os municípios têm autonomia para produzir normas específicas de organização do ensino, já que são eles que executam as políticas de educação básica, mantêm escolas e contratam professores. Autonomia, porém, não é soberania.
E vale lembrar que, com honrosas exceções, os referidos entes federativos, no uso de sua autonomia, não têm sido capazes de oferecer a educação de qualidade a que os brasileiros têm direito.
Em 2009 as tensões provocadas pela nova legislação sobre o magistério podem se ampliar. É que a mesma “Lei do Piso” determina que os sistemas de ensino devem elaborar ou adequar seus planos de carreira dos professores e dá prazo para que essa tarefa fique pronta até o final deste ano. Propostas serão apresentadas, debatidas e, afinal, transformadas em leis estaduais e municipais. Um processo que envolverá, de um lado, tudo aquilo que se sonha e que se sabe sobre as condições indispensáveis para exercer com dignidade o ofício de educar. De outro, os limites materiais, financeiros, administrativos e, sobretudo, os limites políticos que definem os parâmetros e o grau de prioridade atribuído à educação nacional. Esse processo já começou.
O Conselho Nacional de Educação realizou no ano passado três grandes audiências públicas destinadas a colher subsídios para a elaboração das novas diretrizes nacionais da carreira do magistério da educação básica. Foram encontros orientados de modo a garantir a livre expressão das idéias e assegurar que nenhuma proposta fosse previamente condenada ao fracasso ou mutilada por antecipação.
Naturalmente, num ambiente de debate aberto e democrático, muitas propostas foram e continuarão a ser consideradas muito avançadas e inexeqüíveis por uns, acanhadas e insuficientes por outros. Entretanto, alguns pontos já se insinuam essenciais. A nova Resolução do CNE com certeza vai dispor sobre a limitação do número de alunos por sala de aula e sobre a quantidade de estudantes por professor nas diferentes etapas e modalidades da educação básica, por considerar que isso é importante para a condição do magistério e para a qualidade do ensino.
São inaceitáveis classes com 45, 50 alunos e a situação de professores que, ao todo, lecionam para 700 ou 800 estudantes ao longo da semana. Além disso, a nova norma do CNE incentivará que as jornadas de trabalho dos docentes sejam em tempo integral e com dedicação exclusiva a uma única escola. Serão estabelecidos, ainda, critérios para ingresso e evolução na carreira, bases de remuneração, pré-requisitos de formação, processos de aperfeiçoamento profissional e procedimentos para avaliação de desempenho dos educadores e das próprias estruturas educacionais.
Não faltarão indicações sobre a gestão democrática da escola, que provavelmente incluirão orientações sobre a participação dos pais e o modo de escolha dos diretores e outros gestores escolares. As novas diretrizes tratarão desses e de outros pontos com a necessária ousadia e a devida responsabilidade, num esforço para fazer do magistério uma perspectiva profissional e de vida que projete uma opção profissional sedutora para a juventude.
Diante do que se passou nas audiências públicas, já é possível antever o embate que se seguirá, não apenas quanto à própria aprovação da nova Resolução do CNE, mas principalmente, no plano dos Estados e municípios onde leis específicas deverão ser elaboradas. Obstáculos serão apresentados. A crise financeira internacional será desde logo lembrada pelos que, contrários aos avanços, dirão que o momento é infeliz. Outros, ou os mesmos, dirão que tudo isso não passa de mera demanda corporativa. Não faltarão aqueles que, na ausência de outros argumentos, protestarão porque ninguém pensa nos alunos. Estudos e pesquisas brotarão tentando produzir “evidências” de que não há evidência de que melhores condições de trabalho e salário dos professores levam à melhoria desempenho dos estudantes. Lembrarão novamente que certas propostas ferem a autonomia dos entes federativos. E, exclamação fi- nal: são propostas até justas, mas não há recursos para isso!
Se o propósito é melhorar a educação, sabe-se que isso depende exclusivamente de trabalho humano e, assim, de um magistério valorizado. Há dúvidas que essa valorização significa mais investimentos, que isso custa mais? É óbvio que melhorar os salários e aperfeiçoar a jornada dos professores, diminuir o número de alunos por sala de aula e a quantidade de estudantes por professor exige mais esforço e, claro, mais dinheiro. Há duvida que qualidade custa mais caro? O Brasil investe menos de 4% do seu PIB em Educação, o que é muito pouco.
Comparando, é a metade do que é destinado aos bancos com o pagamento do serviço da dívida pública todos os anos. Não é por outro motivo que ostentamos escandalosos índices de analfabetismo, alta evasão escolar, baixo desempenho dos estudantes nas avaliações nacionais e internacionais, escassez de professores, etc...Quando esses fatos são publicados, muitos parecem ficar chocados e exigem providências. Mas quando chega a hora de fazer as contas e detalhar em que consistem os necessários investimentos adicionais, chovem considerações lamentando a falta de recursos, a falta de sorte e o fato de que, afinal, estamos no Brasil.
Evidentemente, é uma questão política cuja solução, claro, não é jurídica. Ou alguém bem que poderia propor uma outra ADIN. Uma ação contra a reiterada afronta à Constituição Federal em face do vergonhoso quadro da educação brasileira. E com pedido de liminar diante dos altíssimos custos sociais, econômicos e ambientais de um ensino público de má qualidade. Quem sabe, por mágica, tudo se resolveria.


Por Cesar Callegari
fonte: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/Edicoes/21/artigo125080-1.asp