sábado, 13 de fevereiro de 2010

A ESCOLA DO FUTURO - Uma Ponte de Significados sobre a Estrada da Informação

Uma Ponte de Significados sobre a Estrada da Informação

Guiomar Namo de Mello

A escola exigirá dos educadores uma postura nova, voltada para a incorporação e (re)significação de informações e conhecimentos provenientes de diferentes fontes.

Nas sociedades contemporâneas a informação e o conhecimento estão se tornando disponíveis a um número cada vez maior e mais diversificado de pessoas. A internet, rede mundial de informação que torna o hipertexto acessível a um simples toque dos dedos, é a expressão tecnologicamente mais avançada de um processo que há mais de 50 anos vem se instalando na nossa cultura.
Uma consulta à banca de revistas e jornais, existente em cada esquina das grandes cidades, mostra que o hipertexto há muito faz parte do cotidiano urbano. Aí se encontra um mundo às vezes caótico, mas sempre divertido, de acesso à informação: dicionários e jogos instrutivos, obras que vão da jardinagem à filosofia, passando por esportes, decoração, atualidades políticas e científicas, saúde, ecologia e outras. Todas a um custo bastante aproximado...
Acrescente-se a isso o enorme poder informativo e formativo da televisão e a possibilidade recente de interação entre os diferentes meios de comunicação, para dimensionar o caminho aberto pela “autoestrada” da informação que só tenderá a ampliar-se e a aumentar o número dos que nela navegam.
O avanço da tecnologia da informação tem propiciado uma mudança no paradigma da produção e divulgação do conhecimento. Não é fácil desenhar com precisão o cenário do futuro, mas uma coisa parece clara: o conhecimento deixará de ser monopólio das instituições que tradicionalmente têm sido suas zelosas depositárias. Vale a pena, portanto, fazer um esforço para (re)significar o papel do professor e da escola.
É preciso reconhecer que para muitas crianças que estão nascendo agora, a escola não será a única e talvez nem a mais legítima fonte de informações. Conseqüentemente, o papel do professor sofrerá mudanças profundas. A maioria dos professores ainda opera como guardiã de conhecimentos aos quais dá acesso segundo um ordenamento pré-definido e de acordo com metodologias que considera adequadas.
No entanto, ele terá que assumir também a função de incorporar e significar, no contexto do ensino, conhecimentos que vêm de diferentes fontes externas à escola, quase sempre numa seqüência e lógica que escaparão a seu controle.
Se quiser que seus alunos gostem de aprender, o professor não pode continuar isolado em sua disciplina.
Além de especialista em determinada área do conhecimento, ele precisa desenvolver habilidades para identificar as relações de sua especialidade com outras áreas de conhecimento.
Essa mudança de papéis vai muito além da mudança na posição física do professor em sala de aula – na frente ou junto dos alunos. Ela atinge o núcleo mesmo da missão da escola: reconhecer que não é possível transmitir conhecimentos com a mesma velocidade e atratividade da multimídia. E privilegiar a constituição de um quadro de referência científico, cultural e ético para selecionar, organizar, dar sentido e levar à prática a informação e o conhecimento.
Construir sentidos com base na informação e no conhecimento é talvez a tarefa mais nobre da escola na sociedade da informação: se a autoestrada da informação está cada vez mais presente na sociedade, às instituições educativas cabe construir sobre essa autoestrada uma ponte de significados que permita aos alunos navegar sem serem atropelados pela quantidade e diversidade de informações que já estão congestionando a nossa visão de mundo.
Que outra coisa propunham mestres como Dewey, Piaget, Vygotsky ou Freinet, para citar apenas alguns, apesar de suas diferenças? Esse é, portanto, um sonho antigo dos educadores, mas até hoje não conseguimos que a educação escolar, como um todo, vá além da transmissão de conhecimentos. Será que a tecnologia da informação é o elemento que faltava?
A resposta a essas perguntas dependerá de enfrentarmos, entre outros desafios, o de (re)significar os instrumentos do trabalho pedagógico: currículos, métodos e programas de ensino e perfis de competência dos professores.
A construção de sentidos na escola terá que ser cada vez mais interdisciplinar ou mesmo transdisciplinar. O conhecimento contemporâneo está ultrapassando as fronteiras rígidas do paradigma científico do século passado. A estrutura do hipertexto expressa bem essa noção: nele, muitos links podem ser estabelecidos entre fatos de natureza diferente, conceitos que os representam e linguagens que dão suporte à representação conceitual.
Projetos de investigação, de produção ou intervenção real ou simulada na realidade, quase sempre considerados “extracurriculares”, terão que ser (re)significados como mais do que nunca “curriculares”.
Para produzirem conhecimentos significativos, as situações de aprendizagem precisam induzir o aluno a referir o aprendido na escola ao vivido e observado de modo espontâneo. Daí a necessidade da abertura do currículo para a experiência do aluno e o conhecimento ao qual ele tem acesso fora do contexto escolar.
Motivar o aluno a aprender requer superar as limitações da transposição didática: essa é uma regra pedagógica antiga. Mas daqui em diante essa tarefa terá que levar em conta que a experiência dos alunos estará cada vez mais carregada de informações e conhecimentos que não consideram fronteiras nacionais, culturais ou etárias.
Acessar e adquirir conhecimento pode ser um ato solitário. A construção de sentidos implica necessariamente na interação pela qual eles são negociados com o outro: familiares, amigos, professores ou interlocutores anônimos dos textos e dos meios de comunicação.
Toda negociação de significados envolve valores. Mas é da educação escolar que a sociedade cobra os valores que considera positivos para as novas gerações. Por essa razão, mesmo interativas e formadoras de mentalidades, as tecnologias da informação e da comunicação não dispensam a educação escolar. Desta se espera que prepare os alunos a renegociar os significados veiculados pela mídia por meio da análise crítica.
Os conteúdos de ensino têm de ser (re)significados como meios e não mais como fins em si mesmos. Devem visar menos à memorização e mais às capacidades necessárias ao exercício de dar sentido ao mundo: analisar, inferir, prever, resolver problemas, continuar a aprender, adaptar-se às mudanças, trabalhar em equipe, intervir solidariamente na realidade.
Não é por acaso que tais competências são as que agregam maior valor ao trabalho e ao exercício da cidadania nas sociedades contemporâneas: a organização dos processos produtivos e das práticas sociais também está sendo afetada pela revolução da informação.
Finalmente, é necessário reafirmar a importância da educação escolar na constituição de significados deliberados. Ela parte da experiência espontânea para chegar à sistematização e abstração, que libertam do espontaneísmo. Significados deliberados identificam o objeto do conhecimento, sabem como se aprende, atribuem valores à aplicação do saber e estimulam sua expressão.
Só eles têm a universalidade dos significados socialmente reconhecidos como verdadeiros: as ciências, os valores da diversidade, igualdade, solidariedade e responsabilidade e a importância das linguagens que os expressam.
Esses objetivos – base da identidade ética e não excludente – são perseguidos pela educação escolar desde que Sócrates associou a sabedoria à virtude. A incapacidade de alcançá-los legitimou condenações ferozes da escola e dos educadores. A tecnologia da informação pode ser uma nova oportunidade de cumprirmos com êxito a missão que nos legaram os grandes pedagogos do passado, expressando o anseio social de uma vida melhor e mais feliz.



Guiomar Namo de Mello foi Secretária Municipal de Educação de São Paulo, deputada estadual, Especialista Sênior de Educação do Banco Mundial e do Banco Interamericano, Diretora Executiva da Fundação Victor Civita e Diretora Editorial da revista NOVA ESCOLA. Atualmente dedica-se à consultoria educacional, especialmente na área de formação inicial de professores. A Profa. Guiomar é consultora do curso de Pedagogia a Distância das Faculdades COC.
 
Fonte: http://www.jornal.coc.com.br/default.aspx?IdCategoria=95&idSite=95&Categoria=Artigos